domingo, 24 de agosto de 2008

O CRIME DE PERSEGUIÇÃO INSIDIOSA (STALKING) E A AUSÊNCIA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

VEIGA, Ademir Jesus da. Stalking: perseguição insidiosa. Cascavel-PR: Editora Coluna do Saber, 2007.


RESUMO: O presente artigo observa o estudo que vem à tona nos últimos debates jurídicos mundiais dizendo respeito à constatação pela Organização da Nações Unidas (ONU) da existência do denominado crime de stalking, em relação à proteção da mulher contra a violência e que a ONU tem recomendado aos Estados-membros a edição de normas civis e penais que impeçam e reprimam essa prática indesejada. Constata-se que o stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos. Percebe-se um fracasso dos meios de coibição, interrupção e prevenção do ilícito. Verifica-se ainda,a possibilidade de o crime de stalking gerar indenização na esfera civil, pois, a vítima sofre perseguições, ameaças, redução no rendimento do trabalho, que inclusive geram perdas de caráter material e moral, gerando o direito à indenização. 
PALAVRAS-CHAVE: Stalking; crime; perseguição; insidiosa; indenização; dano moral;




1 Introdução

O conceituado jurista Damásio de Jesus participou do 15.º Período de Sessões da Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Penal, realizado em Viena (Áustria), de 24 a 28 de abril de 2006 como invited expert, integrando a Delegação do Instituto Inter-Regional de Criminologia das Nações Unidas (Unicri), com sede em Turim (Itália), e promovido pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), onde foram discutidas questões relevantes sobre a criminalidade atual, como terrorismo, tráfico de drogas e de seres humanos, corrupção, lavagem de dinheiro, justiça criminal e cooperação internacional.
Um dos temas discutidos foi a constatação da existência do denominado crime de stalking, (ainda sem tradução correspondente no português) fenômeno existente em todos os países, incluído na agenda de projetos do UNODC em relação à proteção da mulher contra a violência.
A Organização das Nações Unidas (ONU) tem recomendado aos Estados-membros a edição de normas civis e penais que impeçam e reprimam essa prática indesejada.
No mês de maio de 2006, Damásio de Jesus, em palestra proferida, disse que:

“não é raro que alguém, por amor ou desamor, por vingança ou inveja ou por outro motivo qualquer, passe a perseguir uma pessoa com habitualidade incansável. Repetidas cartas apaixonadas, e-mails, telegramas, bilhetes, mensagens na secretária eletrônica, recados por interposta pessoa ou por meio de rádio ou jornal tornam um inferno a vida da vítima, causando-lhe, no mínimo, perturbação emocional.

A isso dá-se o nome de stalking.
Stalking, portanto, é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos como, ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, freqüência no mesmo local de lazer, em supermercados, entre outras.
O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima, divulgando as mais variadas infâmias como, por exemplo, que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela Polícia etc e, com isso vai, aos poucos. ganhando poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos.
Possui o stalking como características, determinadas peculiaridades, como por exemplo, invasão de privacidade da vítima; repetição de atos; dano à integridade psicológica e emocional do sujeito passivo; lesão à sua reputação; alteração do seu modo de vida e restrição à sua liberdade de locomoção.

2 Dos efeitos do stalking

Os efeitos potenciais de stalking atingem a saúde mental e emocional da vítima infligindo-lhe uma negação ou dúvida, ou seja, a vítima não acredita o que lhe está acontecendo.
Em seguida, ao perceber a gravidade do fato, a vítima é tomada de ima frustração, culpa, vergonha, baixa auto-estima, insegurança, choque e confusão, irritabilidade, medo e ansiedade, depressão, raiva, isolamento, perda de interesse em continuar desenvolvendo suas atividades corriqueiras, sentimentos suicidas, perda de confiança em sua própria percepção, sentimento violento para com o stalker, habilidade diminuída ao executar seu trabalho ou na escola, ou de realizar tarefas diárias.
Isso tudo causa efeitos potenciais na saúde psicológica da vitima de stalking como distúrbios do sono, problemas sexuais e de intimidade, dificuldade de concentração, fadiga, fobias, ataques de pânico, problemas gastrointestinais, flutuações no peso, automedicação e desordem pós-traumático do stress.
Geralmente, o sujeito ativo é o homem, e a mulher, o passivo. Há casos, entretanto, em que aparecem dois homens ou duas mulheres nos pólos e ainda, excepcionalmente, a perseguição de homem por mulher.
Os motivos que levam ao aparecimento do stalker são os mais variados, podendo-se destacar: amor, desamor, vingança, ódio, brincadeira, inveja ou qualquer outra causa subjetiva.
Na maior parte das vezes, trata-se de um amor incontido, em que o stalker, geralmente do sexo masculino, repete diuturnamente sua manifestação de amor ao sujeito passivo.

3 Da legislação mundial sobre stalking

Nessa discussão na Áustria, perante a Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Penal, promovido pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), esclarece o professor Damásio de Jesus que a Organização das Nações Unidas (ONU) recomendou aos Estados-membros a edição de normas civis e penais que impeçam e reprimam essa prática indesejada.
Constatou ainda, o ilustre penalista Damásio de Jesus que tramita no Parlamento da Áustria, um projeto de lei sobre stalking, disciplinando o fato nos aspectos civis e penais que pode virar norma regular ainda em 2006.
As normas existentes sobre o crime, variam de país para país. Alguns tratam o tema como simples ato ilegal, outros ainda, determinam que o stalking só se torna ameaça se coloca em perigo extremado a vítima.
A primeira lei criminal ao stalking surgiu na Califórnia (EUA), decretada em 1990. Após sete anos, outros estados norte-americanos seguiram a mesma esteira e criaram mecanismos legais, porém diferenciando-se apenas quanto à terminologia legal, como a ameaça criminal.
Na Inglaterra existe a possibilidade de pena ao criminoso caso a vítima sofra dano mental ou físico em conseqüência de stalked.
Em 2000 o Japão decretou uma lei nacional para combater este comportamento. Entretanto, a natureza dos atos de stalking pode ser vista como uma “interferência na tranqüilidade de outros”.
Existem legislações à respeito desse crime também na China e Macau.
Na reunião de Viena, o professor Damásio de Jesus constatou que o Stalking é “fenômeno mundial”, pois, segundo ele “estima-se que, nos Estados Unidos, cerca de 1 milhão de mulheres e 400.000 homens foram vítimas de stalking em 2002. Na Inglaterra, a cada ano, 600.000 homens e 250.000 mulheres são perseguidos. Em Viena, desde 1996, existem informes da ocorrência de 40.000 casos; em 2004, em um grupo de 1.000 mulheres entrevistadas por telefone, pelo menos uma em cada quatro foi molestada dessa forma.”

4 Do fracasso na prevenção do ilícito no Brasil

Percebe-se ainda, na visão de Damásio de Jesus um fracasso dos meios de coibição, interrupção e prevenção do ilícito.
É muito difícil prevenir e interromper a ação do stalker. Rara é a oportunidade de repressão, uma vez que as investigações policiais quase sempre terminam em insucesso.
Medidas como troca ou ocultação do número do telefone, mudança de identidade, de residência e de cidade, contratação de detetive particular etc. não têm dado bons resultados, tendo em vista que os stalkers, muito espertos, em pouco tempo descobrem o novo número, a nova residência, identidade etc. e voltam à carga.
O Professor Damásio analisa o stalking  na legislação penal brasileira e afirma que no Brasil, a figura jurídica que mais se aproxima é a contravenção penal de “perturbação da tranqüilidade”, com a descrição tipificada no artigo 65 do Dec.-lei n. 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais) que diz:“Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa [...]”.
Porém, há casos de julgamentos já ocorridos no Brasil onde configura-se o delito: a 1.ª T. Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal na apelação Criminal n.º 20000110249925, onde foi Relator o Juiz João Timóteo de Oliveira, julgada em 3.10.2000, e publicada no DJU de 21.11.2000, seção 3, p. 39, julgou um caso em que o autor, deixando repetidos recados na secretária eletrônica da vítima, contendo ameaças e impropérios, perturbando-lhe, assim, a tranqüilidade, causou dano a seu estado emocional, cometendo a contravenção.
Outro julgamento nesse sentido, que demonstra a injustificada prática de atos dessa natureza percebe-se no julgamento do Acórdão n.º 126.058, da Apelação Criminal 1999011039023-3, da Turma Recursal do Juizado Especial Criminal do Distrito Federal, onde foi relator o Juiz Roberval Casemiro Belinatti, que conheceu o recurso, porém negou-lhe provimento, por unanimidade.
O Acórdão considerou que comete contravenção penal e perturbação da tranqüilidade, prevista no art. 65 do Decreto - Lei n. 3.688, de 3-10-1941, o agente que, separado há mais de seis anos, consciente e voluntariamente, por acinte e motivo reprovável, procura a ex-mulher, de maneira insistente e incômoda, perturbando gravemente sua tranqüilidade, pessoalmente, com xingamentos, bravatas e até contato físico, ou por telefonemas fora de hora, deixando recados ofensivos.
Manteve a condenação de 20 dias de prisão simples imposta ao infrator sob o argumento de que não se justifica a prática de tais atos.
Esclarece, finalmente, o ilustre Professor Damásio de Jesus que stalking, no Brasil é uma singela contravenção apenada com prisão simples ou multa. Muitos crimes, como ameaça e injuria constituem fato menos grave.
Damásio esclarece que certamente, em muitas hipóteses, esses delitos integram uma ação global da perseguição, pelo que o sujeito não deixa de responder por eles em concurso, conforme previsão dos artigos 69 a 71 do Código Penal. De ver-se, entretanto, que stalking como fato principal é de maior seriedade do que os próprios delitos parcelares.
O iminente professor prega que, o fato, por essa razão, merece mais atenção e consideração do legislador brasileiro, transformando-se em figura criminal autônoma e melhor definida.

5 Da possibilidade de indenização civil em caso de crime de stalking

O Stalking pode gerar indenização na esfera civil, pois, ante a rejeição sofrida pelo Stalker, normalmente a vítima sofre perseguições, ameaças, redução no rendimento do trabalho, que inclusive geram perdas de caráter material e moral, gerando o direito à indenização.
Em muitos casos, a vítima acaba por pedir demissão ou exoneração do trabalho, abandona o emprego, pelo que, sem dúvida deve ser indenizado.
Soma-se a isso o fato de que muitas vezes a própria conduta da vítima é questionada pela sociedade, o que gera ainda mais sofrimento, isso porque são levantadas suspeitas quanto à sua idoneidade.
Assim, a indenização por danos materiais poderá abranger os danos emergentes, ou seja, o que a vítima efetivamente perdeu em virtude do assédio e os lucros cessantes, ou seja, o que a vítima deixou de ganhar.
Além disso, pode haver indenização por danos morais, relativos ao sofrimento psicológico que a vítima suportou em virtude do assédio sofrido.
O Stalker poderá ser responsabilizado na esfera civil, portanto com a indenização por danos materiais e morais.

6 Considerações finais

Constata-se que o crime de stalking, no Brasil é uma contravenção simples apenada com prisão simples ou multa.
Em muitos casos os crimes de ameaça e injúria constituem fato menos grave que o próprio crime de stalking,  e formam um conjunto de perseguições à pessoa, sendo certo que à luz dos artigos 69 a 71 do Código Penal o sujeito ativo responderá por estes crimes em concurso, o que não descaracteriza o stalking como fato principal e, assim de maior seriedade do que os próprios delitos parcelares.
As normas existentes sobre o crime, variam de país para país. Alguns tratam o tema como simples ato ilegal, outros ainda, determinam que o stalking só se torna ameaça se coloca em perigo extremado a vítima.
Justamente por essa razão, o criem de stalking mereceria maior atenção e consideração do legislador brasileiro, que poderia transformá-lo em figura criminal autônoma e melhor definida, possibilitando à vítima o pleito por indenização civil.

7 Referências Bibliográficas

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 01, 2003.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, v. 01, 2003.
JESUS, Damásio de. Stalking. Complexo Jurídico Damásio de Jesus, São Paulo, 2006. Disponível em < http://www.damasio.com.br/?page_name=art_028_2006&category_id=339>. Acesso em: 27 out 2006.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 39ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, v. 01, 2003.
REVISTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - nº 08 -jan./jun. de 2000

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